No decorrer de três décadas de trabalho, a Biblioteca Espectral de Solos do Brasil (BESB) consolidou-se como um marco na ciência do solo. Idealizada nos anos 1990, foi efetivamente implementada em 2019 (Demattêetal.,2019) pelo Grupo Geotecnologias em Ciência do Solo (GeoCIS) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).
A BESB envolveu a participação de mais de 80 pesquisadores e 69 instituições de todos os estados brasileiros. O banco de dados representa a diversidade pedológica do Brasil e integra análises físico-químicas de solos a dados adquiridos nas faixas espectrais visível (Vis), Infravermelho Próximo (NIR), infravermelho de Ondas Curtas (SWIR) e um subconjunto no Infravermelho Médio (MIR). A BESB também foi submetida a testes realizados segundo um protocolo internacional e foi publicada em Romero et al., (2022).
Simultaneamente, foi criado o Programa Brasileiro de Análise Espectral de Solos (ProBASE), que visou a capacitação de profissionais e instituições na coleta, processamento e interpretação de dados espectrais, de maneira a destacar a importância para a pedologia e áreas relacionadas (Paivaetal.,2022). Os cursos e treinamentos desse
Programa permitiram estabelecer protocolos claros para coleta, preparação e leitura de amostras de solo, no sentido de assegurar a qualidade e a comparabilidade dos dados em todo o Brasil, além de integrar espectroscopia com laboratórios comerciais e institucionais. Tal ação foi direcionada ao movimento denominado de laboratórios ´híbridos´ (Demattê etal.,2019).
Os dados foram processados quanto a análise de aderência e criadas metodologias para tal (Poppieletal.,2022). A BESB é um produto primário, com aplicações abertas para toda a sociedade científica e institucional. Com os dados, todos podem fazer testes, análises e publicações. As inovações, entretanto, vão além de sua abrangência geográfica.
A biblioteca não apenas ampliou o acesso a dados anteriormente dispersos em laboratórios e institutos, mas também introduziu ferramentas práticas, como o Serviço Brasileiro em Análise de Solos via Espectroscopia (BraSpecS-TheBrazilianSoil SpectralService). Este sistema permite que usuários carreguem espectros de solo online (Vis-Nir-SWIR-MIR), indo ate uma plataforma onde são modelados por aprendizado de máquinas. Os resultados das analises de solo (preditas) chegam por email ao usuário.
Importante ressaltar que o usuário pode entrar gratuitamente no link, verificar onde estão as pessoas que contribuíram, ver padrões de espectros de solos em relação a profundidade, textura e outros atributos, e ainda ter acesso a bibliografia para seu aprendizado.
A BESB trouxe à luz da ciência a visão do solo sob a perspectiva da interação energia-matéria, com inserção em inúmeras disciplinas de solos tais como: Mineralogia, Química, Pedologia, Gênese, Adubos e adubação, Microbiologia, Geologia, Poluição, Carbono, Saúde, Conservação, Mapeamento e Classificação, entre outras.
A Biblioteca apresenta uma ferramenta e uma ciência ao mesmo tempo, a depender do usuário. Trata- se de uma tecnologia que agrega todas as comunidades possíveis (solo, ambiente, planta, agricultura, agua, clima). O BraSpecS já inovou na tentativa de facilitar o acesso a análises de solo para qualquer usuário, desde agricultores, consultores e tomadores de decisão.
Após todo o processo de organização, a BESB foi disponibilizada gratuitamente via repositório de dados Zenodo, acessível no link, apoiado por publicação no Boletim do Instituto do Solo em homenagem a V.V. Dokuchaev (Novaisetal.,2024). Essa iniciativa democratiza o acesso a dados de alta qualidade, o que possibilita que sejam reutilizados nas mais diversas áreas do conhecimento. O repositório tem hoje 80.000 amostras.
A importância de uma BESB acessível ao público não pode ser subestimada, uma vez que possibilita que pesquisadores validem descobertas ao comparar dados medidos com dados previstos, de maneira a incentivar a criação de novos modelos ou o aprimoramento dos já existentes. Os usuários ganham a capacidade de explorar territórios desconhecidos e extrair propriedades do solo anteriormente não reveladas. A BESB tem relevância global devido à sua ampla cobertura geográfica e representação de diversas classes de solos tropicais. Os dados espectrais do solo servem como um recurso fundamental para aprimorar as análises laboratoriais tradicionais, auxiliar no desenvolvimento de técnicas híbridas e mapas digitais de solo. Eles também fornecem informações inestimáveis para formuladores de políticas, que têm a tarefa de desenvolver estratégias de conservação e uso da terra baseadas na saúde e sustentabilidade do solo.
Essa iniciativa tem impactos amplos, que vão desde a academia, com a formação de redes de pesquisa e a publicação de estudos de alto impacto, até a sociedade, com aplicações práticas no monitoramento ambiental, conservação do solo, agricultura de precisão e elaboração de políticas públicas. Um exemplo importante é o uso da BESB e mesmo do BraSpecS no programa PronaSolos. O profissional de campo pode obter o espectro do solo, enviar na nuvem e receber as análises de solo preliminares em tempo real (granulometria, ataque sulfúrico, química tradicional, mineralogia e cor automatizada- Munsell). Esse procedimento também pode ser feito por amostras coletadas em campo, levadas em um laboratório, determinado o espectro, e, via nuvem, ter as análises. A estratégia fica por conta do usuário. Tal procedimento, associado a validação empírica do profissional, ou validação específica em laboratório tradicional, poderá significativamente auxiliar nos trabalhos de campo, e economia em análises de solo.
Com acesso público e aplicações práticas, o projeto BESB auxiliou a criação e treinamento de núcleos pelo país, a partir de três grupos, na década de 1990, para mais de 20 nos dias atuais. A BESB é a terceira maior biblioteca espectral disponibilizada do globo, e o Brasil tem posição de destaque no estudo de solos, ao se posicionar na vanguarda da matéria em questão. Além disso, a BESB é a base para estudos avançados a nível de satélites, e o Brasil já é reconhecido como um dos três maiores atores na matéria. Este projeto resulta no avanço científico, na oportunidade de conectar a sociedade científica
brasileira, na oportunidade de inserção internacional de brasileiros, em agregar a ciência com a sociedade, com vistas a garantir um legado de dados e conhecimento para as próximas gerações.
O texto acima é de autoria de:
José Alexandre M. Demattê – Professor do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ/USP
Jean de Jesus Macedo Novais – Pós-doutorando do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ/USP
Uemeson José dos Santos – Pós-doutorando do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ/USP e professor EBTT do Instituto Federal do Pará – Campus Santarém
Jorge Tadeu Fim Rosas – Pós-doutorando do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ/USP
Nicolas Augusto Rosin – Doutorando do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ/USP
Marcelo Henrique Procópio Pelegrino – Pós-doutorando do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ/USP
Heidy Soledad Rodríguez-Albarracín – Pós-doutoranda do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ/USP
